O futuro do nosso planeta não depende de melhores convenções, mas de melhores políticas

As metas ambientais globais podem ser alcançadas se as agendas nacionais não interferirem
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Um caminhão de extração de madeira transporta uma enorme tora no meio de uma floresta tropical. Foto: Ollivier Girard/CIFOR-ICRAF

A deterioração contínua da saúde ambiental do nosso planeta é frequentemente atribuída ao fracasso das convenções ambientais internacionais. Entretanto, essa narrativa culpa o ator errado. 

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) e o Fórum das Nações Unidas sobre Florestas (UNFF) fornecem estruturas sólidas para a proteção ambiental. O verdadeiro fracasso não está nesses mecanismos em si, mas em sua implementação, ou melhor, na obstrução sistemática de sua implementação por aqueles que priorizam os interesses nacionais de curto prazo em detrimento dos imperativos ambientais globais. 

A política de obstrução 

A história começa com promessas. A Cúpula da Terra do Rio, em 1992, estabeleceu estruturas ambiciosas para a proteção ambiental global. Essas convenções foram bem elaboradas, incorporando orientação científica, objetivos claros e mecanismos de cooperação internacional. Elas representavam o melhor entendimento da humanidade sobre como enfrentar os desafios ambientais por meio de ações coletivas. No entanto, três décadas depois, enfrentamos uma degradação ambiental cada vez mais acelerada, não porque essas estruturas sejam falhas, mas porque as mesmas partes as minaram de forma consistente. 

Mudança climática: a estrutura existe, mas a vontade não 

A UNFCCC oferece uma estrutura abrangente para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, incluindo princípios claros, orientação científica e mecanismos de cooperação internacional. No entanto, conforme documenta o World Energy Outlook 2023 da Agência Internacional de Energia, os principais emissores têm optado sistematicamente por interesses econômicos nacionais em detrimento das reduções de emissões. A retirada dos EUA do Protocolo de Kyoto, a saída do Canadá em face das dificuldades de conformidade e a contínua construção de usinas de carvão pela China ilustram como as partes priorizam os interesses nacionais percebidos em detrimento dos imperativos ambientais globais. 

As evidências de obstrução deliberada são claras. De acordo com uma pesquisa publicada na Nature Climate Change em 2022, as empresas de combustíveis fósseis gastaram mais de US$ 3,6 bilhões em lobby relacionado ao clima na última década. Esse lobby atrasou efetivamente a implementação das metas da UNFCCC nas principais economias, apesar do fato de a convenção oferecer caminhos claros para a redução de emissões. 

Biodiversidade: uma estrutura negligenciada 

A CBD oferece outro exemplo revelador. A convenção fornece diretrizes abrangentes para a proteção da biodiversidade, mas as partes têm sistematicamente prejudicado sua implementação ao priorizar a extração de recursos e o desenvolvimento. De acordo com oBiodiversity Finance Report (2023) do Banco Mundial, os governos gastam aproximadamente US$ 500 bilhões anualmente em subsídios prejudiciais ao meio ambiente, mais de três vezes o que gastam na proteção da biodiversidade. 

A história recente do Brasil ilustra perfeitamente essa dinâmica. Apesar de ser parte da CDB e ter excelentes leis de conservação no papel, as decisões políticas de determinados governos levaram a um aumento drástico do desmatamento na Amazônia. A convenção forneceu a estrutura para a proteção, mas as escolhas políticas nacionais priorizaram os ganhos econômicos de curto prazo em detrimento da proteção ambiental. 

Degradação da terra: a lacuna na implementação 

A UNCCD oferece, talvez, exemplo mais claro de como a obstrução política prejudica a proteção ambiental. A convenção fornece diretrizes detalhadas para prevenir e reverter a degradação da terra. No entanto, conforme documenta o Global Land Outlook (2022) da UNCCD, a implementação falha não por falta de conhecimento ou estruturas inadequadas, mas por causa de decisões políticas que favorecem práticas insustentáveis de uso da terra. 

Os subsídios agrícolas que incentivam a superexploração, a resistência política às reformas no uso da terra e a priorização de ganhos econômicos de curto prazo em detrimento da sustentabilidade a longo prazo prejudicam os objetivos da convenção. As estruturas de proteção existem, mas não há vontade política para implementá-las. 

Florestas: a política supera a proteção 

A UNFF fornece diretrizes abrangentes para o gerenciamento sustentável das florestas. No entanto, como mostram os dados do Global Forest Watch, continuamos a perder florestas primárias em um ritmo alarmante. Essa perda ocorre não por falta de estruturas internacionais adequadas, mas porque as partes priorizam consistentemente a receita da madeira e a expansão agrícola em detrimento da proteção florestal. 

A experiência da Indonésia é instrutiva. Apesar de ter leis sofisticadas de proteção florestal alinhadas com as estruturas internacionais, as decisões políticas que favoreceram a expansão do óleo de palma levaram a um desmatamento maciço. As estruturas internacionais forneceram a orientação; as prioridades das políticas nacionais a ignoraram. 

O verdadeiro problema: políticas de implementação 

O padrão dos quatro mecanismos revela que o fracasso não está nas convenções, mas em sua implementação. Vários fatores importantes são evidenciados: 

Primeiro, as partes priorizam sistematicamente os interesses nacionais percebidos em detrimento da proteção ambiental global. As convenções fornecem estruturas para equilibrar esses interesses, mas as partes geralmente optam por ignorar essas estruturas quando elas entram em conflito com as prioridades políticas nacionais. 

Em segundo lugar, poderosos interesses econômicos trabalham ativamente para obstruir a implementação. Uma pesquisa do International Political Economy Institute (2023) documenta como os lobistas do setor atrasaram as medidas de proteção ambiental em várias jurisdições, apesar da orientação clara das convenções. 

Em terceiro lugar, as partes frequentemente se envolvem no que os cientistas políticos chamam de “conformidade simbólica”, aparentando seguir os requisitos da convenção, mas, na verdade, prejudicando seus objetivos. Eles criam políticas e programas que parecem impressionantes e, ao mesmo tempo, mantêm práticas destrutivas ao meio ambiente. 

O verdadeiro fracasso não está nesses mecanismos em si, mas em sua implementação, ou melhor, na obstrução sistemática de sua implementação por aqueles que priorizam os interesses nacionais de curto prazo em detrimento dos imperativos ambientais globais"

Robert Nasi, Diretor de Operações (COO) do CIFOR-ICRAF e CEO do CIFOR

Evidências do fracasso das políticas 

As estatísticas continuam a ser contundentes, mas refletem o fracasso político e não a inadequação da convenção: 

– O declínio de 68% na biodiversidade global ocorre apesar de a CBD fornecer estruturas claras de proteção. 

– O aumento de 60% nas emissões de gases de efeito estufa ocorre apesar de a UNFCCC fornecer caminhos claros de redução. 

– A degradação contínua da terra persiste, apesar de a UNCCD fornecer diretrizes detalhadas de prevenção. 

– O desmatamento continua apesar das estruturas do UNFF para o gerenciamento sustentável das florestas. 

Seguindo em frente: enfrentando o verdadeiro desafio 

A solução não está em reformar as convenções, mas em abordar as falhas de implementação. Uma pesquisa recente na Global Environmental Politics (2023) sugere várias etapas importantes: 

Primeiro, a governança ambiental nacional precisa ser fortalecida para implementar melhor as estruturas das convenções. Essas convenções fornecem os projetos; as instituições nacionais precisam da capacidade e do apoio político para executá-los. 

Segundo, abordar a economia política da destruição ambiental. Isso significa lidar com os interesses particulares que obstruem a implementação e criar novos grupos de interesse para a proteção ambiental. 

Terceiro, aumentar a transparência e a responsabilidade na implementação. Quando as partes não cumprem seus compromissos, o mundo precisa saber por quê e quem é o responsável. 

Quarto, construir bases nacionais mais sólidas para a proteção ambiental. As convenções fornecem as estruturas; a pressão política interna é necessária para garantir a implementação. 

Em vez de criticar as convenções, devemos nos concentrar nos obstáculos políticos à sua implementação. As estruturas para a proteção ambiental existem; o que nos falta é a vontade política para implementá-las de forma eficaz"

Robert Nasi, Diretor de Operações (COO) do CIFOR-ICRAF e CEO do CIFOR

O fracasso da proteção ambiental global não está nas convenções internacionais, mas em sua implementação. Essas convenções fornecem estruturas sofisticadas baseadas na compreensão científica e na cooperação internacional. A trágica lacuna entre seus objetivos e nossa realidade ambiental reflete não a inadequação institucional, mas o fracasso político. 

Compreender essa distinção é fundamental para lidar com a crise ambiental. Em vez de criticar as convenções, devemos nos concentrar nos obstáculos políticos à sua implementação. As estruturas para a proteção ambiental existem; o que nos falta é a vontade política para implementá-las de forma eficaz. 

O caminho a ser seguido requer enfrentar de forma contundente essas falhas políticas. Somente com o fortalecimento das bases nacionais de proteção ambiental, o enfrentamento dos interesses obstrucionistas e a criação de uma verdadeira responsabilidade pelas falhas de implementação é que poderemos ter esperança de reverter o declínio ambiental de nosso planeta. As convenções nos deram as ferramentas; agora precisamos encontrar a vontade política para usá-las. 

Essa reformulação do problema sugere uma nova abordagem para a proteção ambiental, que não se concentra na criação de novas estruturas internacionais, mas na construção das condições políticas necessárias para implementar as existentes de forma eficaz. 

O futuro do nosso planeta não depende de melhores convenções, mas de melhores políticas. 

Nota do editor: Robert Nasi é diretor administrativo de operações do CIFOR-ICRAF e CEO do CIFOR.

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