O que esperar da COP16 sobre desertificação na Arábia Saudita?

Última COP do ano marcará um momento crucial frente à degradação da terra
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Na área de Nebbou, entre Ouagadougou e Leo, terra desmatada para agricultura, Burkina Faso. Ollivier Girard/CIFOR-ICRAF

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Imagine um planeta onde nunca chove e cada horizonte se estende em uma interminável superfície de poeira e areia. Parece um planeta distante: uma paisagem desolada em Marte ou o terreno implacável de Arrakis, o deserto ecológico descrito em Duna (1965), o clássico romance de ficção científica de Frank Herbert. Mas essas visões terríveis são cenários improváveis ou realidades iminentes? 

O crescimento populacional, o desmatamento, o sobrepastoreio, a erosão do solo e as mudanças climáticas estão exercendo imensa pressão sobre os ecossistemas das terras áridas, prejudicando a biodiversidade e reduzindo a produtividade agrícola, o que ameaça os meios de subsistência de bilhões de pessoas. 

No ano passado, a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) relatou que, entre 2015 e 2019, o mundo perdeu, anualmente, pelo menos 100 milhões de hectares de terras saudáveis e produtivas — uma cifra impressionante equivalente a duas vezes o tamanho da Groenlândia. 

Para ajudar a conter essa tendência alarmante, a 16ª Sessão da Conferência das Partes da UNCCD (COP16) será realizada em Riad, na Arábia Saudita, de 2 a 13 de dezembro de 2024. 

A reunião deste ano em Riad assinala um marco: o 30º aniversário da UNCCD, uma das três Convenções do Rio, juntamente com os tratados sobre mudanças climáticas e biodiversidade. Criada em 1994, a convenção trabalha para proteger e restaurar a terra, garantindo um futuro mais seguro, justo e sustentável.  

País anfitrião 

A Arábia Saudita, uma região composta 95% por deserto, está liderando iniciativas de restauração de terras. A Iniciativa Verde Saudita, lançada em 2021, busca transformar 30% de seu território em reservas naturais, plantar 10 bilhões de árvores e restaurar 40 milhões de hectares de terras degradadas. O país também lidera esforços para plantar outros 40 bilhões de árvores em toda a região por meio da Iniciativa Verde do Oriente Médio. 

O objetivo combinado de 50 bilhões de árvores entre ambas as iniciativas representa 5% da meta global de florestação, o equivalente a restaurar 200 milhões de hectares de terras degradadas, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
A Arábia Saudita também fez parceria com o G20 e a UNCCD para lançar a Iniciativa Global do G20, que visa reduzir a degradação em 50% até 2040. 

Nos últimos anos, o país demonstrou que a restauração de terras pode ser bem-sucedida no deserto. O Projeto Al Baydha, uma iniciativa de agricultura regenerativa no oeste da Arábia Saudita, transformou a vida de tribos beduínas com práticas como cultivo em terraços e manejo aprimorado da água. Captando água da chuva no inverno para usá-la na regeneração do deserto, o projeto estimula a economia local e serve como modelo para outras regiões do país. 

“Não podemos ter um desenvolvimento sustentável sem proteção ambiental, e a terra está no centro dessa proteção”, afirmou Osama Ibrahim Faqeeha, vice-ministro de Meio Ambiente da Arábia Saudita, em entrevista ao PNUMA no início deste ano. 

O que é desertificação? 

A desertificação é uma forma de degradação da terra que ocorre quando o solo fértil deixa de ser adequado para uso devido à atividade humana ou a processos naturais, como a seca. Afeta quase um sexto da população mundial e 70% de todas as terras áridas, resultando em pobreza generalizada nessas áreas, segundo a ONU. Paisagens áridas resultam em menor produção de alimentos e criação de gado, à medida que as fontes de água se tornam escassas, forçando muitas pessoas a migrarem em busca de terras férteis. 

Os desertos nem sempre são as areias abrasadas do Saara ou as planícies varridas pelo vento do deserto de Gobi. Os maiores desertos da Terra estão sob as temperaturas congelantes da Antártica e do Ártico, onde líquens, plantas resistentes e microrganismos evoluíram para sobreviver no gelo polar implacável.
Contudo, esses desertos polares estão aquecendo até quatro vezes mais rápido que o restante do planeta, destacando a necessidade urgente de mitigar os efeitos das mudanças climáticas reduzindo emissões de gases de efeito estufa. 

Florestas e árvores 

A estratégia mais eficaz para combater a desertificação é a conservação de florestas e árvores. Essas barreiras naturais evitam a erosão do solo, protegem as bacias hidrográficas, reduzem a salinização, fornecem habitats para a biodiversidade e absorvem parte das emissões de dióxido de carbono que agravam as mudanças climáticas.
Além disso, as florestas e árvores ajudam as comunidades locais e povos indígenas, que há séculos são guardiões do manejo sustentável da terra, fornecendo alimentos e produtos florestais de alto valor. 

As florestas desempenham um papel crucial no combate à degradação da terra. Isso ocorre porque a desertificação se concentra principalmente em áreas áridas, onde vivem 2 bilhões de pessoas e estão 25% das florestas do mundo, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). 

Talvez o símbolo mais reconhecível da restauração de terras em áreas áridas seja a Grande Muralha Verde. Essa ambiciosa iniciativa, que envolve 22 países africanos e se estende por 8.000 km de leste a oeste, busca restaurar 100 milhões de hectares de terras degradadas, sequestrar 250 milhões de toneladas de carbono e criar 10 milhões de empregos verdes até 2030. 

Conquistas da UNCCD 

Embora os esforços globais para conter a desertificação tenham sido até agora insuficientes para resolver o problema, a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD, na sigla em inglês) obteve alguns avanços nos últimos tempos, desenvolvendo um marco internacional para a futura restauração de terras. 

Durante a Década das Nações Unidas para os Desertos e o Combate à Desertificação, de 2010 a 2020, a UNCCD aumentou a conscientização global sobre a desertificação, ampliou o entendimento científico do problema e incentivou muitos governos a adotarem políticas que promovem a prevenção, a redução e a reversão da degradação da terra. 

A UNCCD também defendeu o conceito de Neutralidade na Degradação da Terra (NDT), que estabelece uma hierarquia de medidas: evitar, minimizar e compensar. O objetivo é equilibrar qualquer nova degradação da terra por meio da restauração e reabilitação de áreas degradadas. 

Em 2022, cerca de 78 países estabeleceram 484 metas para evitar, reduzir e reverter a degradação da terra até 2030, de acordo com o Painel de Dados da UNCCD. 

Em nível global, os países se comprometeram a restaurar 1 bilhão de hectares de terra – uma área maior que a China – no contexto da Década das Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas (2021-2030). 

A saúde do solo 

Em última análise, a desertificação está diretamente ligada ao estado do solo. “Sabemos que cerca de 65% dos solos africanos estão degradados, assim como um terço dos solos em todo o mundo”, declarou Éliane Ubalijoro, CEO do Centro de Pesquisa Florestal Internacional e o Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (CIFOR-ICRAF), em uma entrevista no ano passado. “A saúde dos nossos solos determinará a saúde dos nossos sistemas alimentares, que, por sua vez, determinarão a saúde da população global.” 

Como parte da Neutralidade na Degradação da Terra (NDT), o monitoramento da saúde do solo e da terra é fundamental. O CIFOR-ICRAF desenvolveu e implementou uma ferramenta robusta e ágil para avaliar mudanças na saúde do solo, na degradação da terra e na diversidade da vegetação. 

O Marco de Monitoramento da Degradação do Solo (LDSF, na sigla em inglês), implementado em mais de 45 países nos trópicos, é uma abordagem flexível que permite a coleta de dados sobre diversos indicadores de saúde da terra. Essa ferramenta tem sido usada por governos, ONGs e pesquisadores em uma ampla gama de ecossistemas e usos da terra. 

Além disso, o CIFOR-ICRAF está construindo uma das maiores bibliotecas de indicadores de saúde do solo, incluindo uma biblioteca espectral com mais de 200.000 amostras de solo georreferenciadas. Esses dados são essenciais para avaliar mudanças no carbono orgânico do solo, um indicador-chave da NDT. 

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