Neste mês de julho de 2024, o governo brasileiro sancionou lei que prorroga os prazos de conclusão de cursos ou de programas para estudantes e pesquisadores da educação superior, assim como a vigência de bolsas de estudo, em virtude de maternidade, paternidade e guarda de menores. Pela nova lei, as instituições de educação superior deverão assegurar a continuidade do atendimento educacional e prorrogar os prazos por, no mínimo, 180 dias.
Conforme noticiou a agência pública de notícias – Agência Brasil, dados da Plataforma Sucupira, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), mostram que a maioria dos estudantes de pós-graduação (54,54%) é mulheres. Mas, os homens são maioria entre os professores (57,46%), ou seja, são maioria entre os que conseguem chegar ao topo da carreira e assumir um cargo público como docente e pesquisador. As mulheres também são minoria entre os pesquisadores que recebem bolsa produtividade, concedidas no topo da carreira pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), representando 36%.
Os desafios na jornada de formação acadêmica e de pesquisa enfrentados pelas mulheres são temas abordados pela pesquisadora do CIFOR-ICRAF Brasil, Saime Rodrigues. Confira a entrevista abaixo.
Como foi sua jornada acadêmica e você se recorda quais foram os momentos que despertaram seu interesse para as questões de ciência?
Minha jornada com a ciência se iniciou na graduação, com minha experiência como aluna de iniciação científica por três anos. Logo após a formatura, continuei minha jornada na ciência com o mestrado trabalhando com matéria orgânica em sistemas tradicionais da Amazônia (agricultura familiar), onde consegui com a submissão de uma proposta de pesquisa uma bolsa da instituição Alemã DAAD (Deutscher Akademischer Austauschdienst / Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico). Em seguida, fiz meu doutorado e trabalhei com dinâmica de carbono em sistemas agroflorestais consorciados com palma de óleo, com experiência de doutorado sanduíche na University of Georgia (UGA/Athens/EUA). Durante sete meses tive uma ótima imersão na cultura norte-americana e tive contato com várias pesquisas de ponta no Center for Applied Isotope Studies (CAIS/UGA), onde são feitas pesquisas para saber a origem e idade do carbono encontrados em diversos materiais em ecossistemas terrestres.
No contexto da minha vida acadêmica, todos os eventos e meio científico que eu vivia, me despertaram o amor pela ciência. A participação em eventos científicos locais, nacionais e internacionais, sempre me motivavam cada vez mais o amor pela ciência e o meu sonho de ser uma pesquisadora. Mas além disso, trabalhar com ciência voltada para apontar soluções de problemáticas socioeconômicas no meio rural e também na área de impactos negativos climáticos das ações antrópicas, sempre foi algo que me motivava.
É difícil para as mulheres se tornarem pesquisadoras e cientistas?
Sim, com certeza é bem mais difícil, pois assim como eu, muitas mulheres se tornam mães durante esse processo de formação acadêmica. Eu me tornei mãe no final da graduação, o que me limitou um pouco a busca de estudo em outros estados e instituições referência na área que eu tinha interesse e atuo.
Outras mulheres, às vezes, acabam abandonando a graduação ou a pós-graduação por falta de uma rede de apoio que auxilie na jornada acadêmica. Na vida de muitas mulheres, fica inviável produzir materiais acadêmicos, por falta de tempo e apoio no seu lar, mesmo sabendo que é importante a produção científica para continuar fazendo pós-graduação.
Hoje em dia isso já melhorou bastante dentro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), fundação do Ministério da Educação do Brasil. Já temos direito a colocar no currículo Lattes o tempo de gestação e a licença maternidade, período difícil para as mulheres.
Mesmo assim algumas mulheres abandonam os estudos por conta dos filhos e por conta do próprio machismo que tem nas categorias, o que torna tudo sempre muito mais difícil. Temos de enfrentar muitos problemas.
Quais são as dificuldades na prática da sua profissão?
A principal dificuldade que encontrei na minha profissão foi que a engenharia é dominantemente liderada por homens. Eu sou da área de ciências agrárias que é bastante relacionada a trabalhos de campo e viagens, e para mulheres pode ser uma limitação quando temos família e filhos. No entanto, depende muito da instituição que trabalhamos e as questões que a nossa instituição se propõe a debater e combater.
No CIFOR-ICRAF, a nossa CEO é uma mulher e historicamente a instituição executa pesquisas que abordam as barreiras que perpetuam as desigualdades de gênero e inclusão social. Temos décadas de pesquisa sobre esse tópico, especialmente no nível de paisagens florestais e agroflorestais, o que engloba não só profissionais de agrárias, mas também mulheres agricultoras. Então fazer parte da equipe do CIFOR-ICRAF me deu segurança de saber que estou em uma instituição inclusiva e que debate o tema de gênero.
O CIFOR-ICRAF é uma instituição que faz pesquisas na área de gênero, fornecendo informações de lições e percepções sobre as vantagens de investimento ou incentivo às atividades lideradas por mulheres e focadas em gênero. Apoia por meio de atividades de governança manejo inclusivo de florestas, terras e outros recursos naturais, ao mesmo tempo em que contribui para a equidade de gênero e fortalece o empoderamento das mulheres. Fazer parte destas atividades é muito bom e me deixa muito feliz.
Segundo Elisabeth Garner, cientista e líder da equipe de Equidade de Gênero e Inclusão Social do CIFOR-ICRAF, o avanço da igualdade de gênero exige abordagens adaptativas e locais para a elaboração conjunta de ferramentas e ações que respondam às prioridades e experiências vividas pelas comunidades com as quais o CIFOR-ICRAF trabalha. Então são desafios constantes que enfrentamos como mulheres na ciência, na engenharia e na área de agrárias, mas ser mulher e por meio de atividades do CIFOR-ICRAF incentivar mulheres à liderança em suas comunidades, é algo gratificante para mim.
Você comentou que faz viagens de campo. Pode nos contar sobre sua experiência?
Recentemente, eu e um outro pesquisador do CIFOR-ICRAF (Martin Meier), fomos ao sudeste do Pará, em São Félix do Xingu e Tucumã, municípios onde o CIFOR-ICRAF atua. Conduzimos, com uma equipe de estagiárias e estagiários, coleta de dados em campo de inventário florestal em Sistemas Agroflorestais de diferentes idades, coleta de amostras de solo para análise de fertilidade dos solos e levantamento aerofotogramétrico em propriedades de agricultores(as) familiares.
Essa experiência foi muito importante profissionalmente para mim porque eu conheci esses municípios com suas dinâmicas territoriais e de uso do solo. Conheci a cultura da região e a dinâmica para deslocamento às áreas rurais nas estradas das cidades.
Como é fazer trabalho de campo na Amazônia, no estado do Pará?
Trabalhar na área de ciências agrárias é bem desafiador na Amazônia, pois necessitamos de viagens constantes e às vezes em longos trajetos como a que fizemos de Belém para São Félix do Xingu (1.054 km).
Mesmo com todas as dificuldades, sempre tenho ótimas experiências ao viajar a trabalho na região amazônica, pois encontro sempre uma diversidade cultural e de hábitos alimentares. No sudeste do Pará, estar em contato com a cultura indígena foi apaixonante e sempre encontramos pessoas muito acolhedoras.
Infelizmente encontramos muitas áreas com diminuição da cobertura florestal nativa, o que é algo que me causa preocupação. Mas trabalhar no CIFOR-ICRAF é uma oportunidade que tenho de levar às comunidades alternativas de uso do solo como incentivo a agroflorestas, agroecologia e segurança alimentar por meio do incentivo a práticas mais sustentáveis.
A nossa atuação na pesquisa do CIFOR-ICRAF é justamente incentivar e discutir soluções baseadas na natureza como sistemas agroflorestais e restauração ecológica com as comunidades, e por meio de oficinas e formações divulgar resultados que temos com os trabalhos em diversos lugares do mundo onde o CIFOR-ICRAF atua, mas adaptando à realidade amazônica.
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