Rumo à restauração efetiva dos ecossistemas amazônicos: da retórica à realidade
Nota do editor: Rocio Vasquez é pesquisadora associada em governança baseada em evidências e engajamento no CIFOR-ICRAF Peru; Henrique Marques é gerente de pesquisa em desenvolvimento no CIFOR-ICRAF Brasil.
A restauração tornou-se um pilar essencial das políticas ambientais globais em resposta ao aumento e à intensificação da degradação ambiental, à grave perda de biodiversidade e à crise climática. Movimentos como a Iniciativa 20×20 e a Década das Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas estão alinhados com a Meta 2 da Estrutura Global de Biodiversidade de Kunming Montreal (KM-GBF), que visa restaurar pelo menos 30% dos ecossistemas terrestres, de águas interiores, marinhos e costeiros degradados até 2030, a fim de fortalecer a biodiversidade, sustentar as economias locais e aumentar a resiliência dos territórios às mudanças climáticas.
A Iniciativa 20×20, por exemplo, propõe restaurar 50 milhões de hectares na América Latina até 2030, em linha com os objetivos da Década da Restauração e promovendo uma bioeconomia regenerativa para o desenvolvimento inclusivo. Recentemente, no âmbito da COP 16 sobre Biodiversidade, realizada em Cali, Colômbia, vários países mostraram progresso em seus compromissos com a apresentação de suas Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (NBSAPs) e suas metas nacionais. No entanto, com relação à Meta 2, até o momento, apenas cinco (Equador, Venezuela, Peru, Suriname e Bolívia) dos oito países que compõem a Bacia Amazônica apresentaram metas nacionais relacionadas a essa meta do KM-GBF.
Enquanto se espera que os compromissos avancem, as pressões na região amazônica não param: desmatamento, queimadas, secas sem precedentes agravam as crises para os ecossistemas, a biodiversidade e as pessoas. Durante a COP 16 em Cali, da qual participamos, várias vozes enfatizaram que o sucesso das metas do KM-GBF depende, em grande parte, da capacidade dos países de implementar ações práticas, acompanhadas de um monitoramento rigoroso e eficaz. Considerando os desafios e as oportunidades comuns na Amazônia, é essencial que os países da região cooperem para trocar experiências e construir parcerias que fortaleçam suas capacidades de enfrentar os desafios e avançar para uma restauração eficaz.
Entretanto, passar das palavras à ação não é uma tarefa simples. Embora os compromissos e as metas ambiciosos anunciados pelos países sejam uma prioridade, a implementação eficaz geralmente enfrenta barreiras estruturais, como uma governança fraca para garantir a cooperação de várias partes interessadas; a ausência de sistemas de monitoramento para acompanhar e comprovar os esforços; e a falta de financiamento eficaz e contextualizado para uma ação sustentada no local.
“O inferno está cheio de boas intenções”, diz um antigo provérbio. No caso da restauração na América Latina, as declarações de governos e empresas, embora encorajadoras, nem sempre se traduzem em resultados tangíveis e duradouros. Essa incongruência entre o discurso e a prática ressalta a necessidade de reformular a abordagem da restauração, entendendo que, para atingir objetivos quantitativos, é necessário investir em estratégias que envolvam genuinamente as comunidades locais, fortaleçam a governança entre os diferentes atores e setores envolvidos e promovam o apoio técnico e financeiro adequado.
Além dos hectares comprometidos
A obtenção de uma restauração eficaz para a biodiversidade, os ecossistemas e as pessoas requer uma abordagem que envolva todo o governo e toda a sociedade e que busque garantir uma implementação eficaz e inclusiva, reconhecendo as importantes contribuições de todos os grupos de interesse e detentores de direitos em toda a sociedade como parte dos compromissos com a biodiversidade. Essa abordagem envolve solucionar os desafios de governança e a melhoria da coordenação entre setores e atores, por meio de processos de governança que garantam a coerência das políticas e uma forte ação colaborativa, possibilitando caminhos inovadores para as metas de restauração nacionais, regionais e globais.
O recente Diálogo Nacional do Peru sobre a meta 2 do GBF, facilitado pelo CIFOR-ICRAF, destacou a necessidade de criar um “Grupo de Trabalho Multissetorial sobre Restauração” como uma plataforma permanente de colaboração que envolva uma ampla gama de setores e atores nos esforços nacionais de restauração de vários setores e facilite oportunidades de compartilhamento de conhecimento, juntamente com um planejamento mais coerente e abrangente da agenda de restauração.
A restauração de ecossistemas deve ir além do plantio de árvores ou da restauração da cobertura vegetal. A governança inclusiva e a recuperação de práticas culturais são indispensáveis para garantir que as necessidades reais dos ecossistemas e das comunidades sejam atendidas. A participação efetiva dos Povos Indígenas e das comunidades locais, juntamente com o uso combinado do conhecimento tradicional e científico, sustenta e enriquece os processos de restauração. Métodos como o uso de plantas indicadoras para monitoramento ambiental e a seleção de espécies adaptadas ao contexto local são fundamentais para a restauração sustentável e culturalmente sensível. A incorporação da sabedoria ancestral ao manejo ecológico permite que as comunidades atuem como guardiãs de seus territórios, promovendo a preservação contínua de seus ecossistemas. Além disso, garantir que essas comunidades tenham direitos sobre suas terras e recursos é fundamental para uma restauração duradoura que se alinhe aos seus interesses.
Sinéia do Vale, líder do povo Wapichana, nos disse durante o evento “Towards 2030: National strategies and implementation of the NBSAPs” (Rumo a 2030: estratégias nacionais e implementação das NBSAPs), realizado no âmbito da COP16 em Cali: “Quantas perdas de plantas medicinais, que são usadas pelos Povos Indígenas e não conseguimos mais encontrá-las? Quantas perdas tivemos de plantas que usamos para nos alimentar? Temos uma ligação direta com toda essa biodiversidade. Isso se deve ao fato de termos feito um trabalho de acompanhamento com calendários culturais. Nos últimos anos, com toda a recorrência das mudanças climáticas, temos visto que as altas temperaturas têm impactado diretamente as plantas e os animais. Sinéia é coordenadora do departamento de meio ambiente do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e recentemente assumiu a copresidência da América Latina e Caribe do Fórum Internacional dos Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas (IIPFCC). Durante o evento em Cali, ela destacou a experiência das estratégias autônomas dos Povos Indígenas para lidar com as mudanças climáticas, combinando conhecimento ancestral e ciência não indígena, contribuindo substancialmente para o Plano Nacional de Adaptação do Brasil.
Para obter mais informações sobre este tema, você pode entrar em contato com Rocío Vasquez em r.vasquez@cifor-icraf.org e com Henrique Marques em h.marques@cifor-icraf.org.
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