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O nordeste do estado do Pará, no Brasil, é uma região complexa. Trata-se de um território de colonização antiga na Amazônia brasileira, cuja população — formada por caboclos, ribeirinhos, indígenas e imigrantes — já passou por diversos ciclos produtivos ao longo dos séculos, da exploração madeireira à monocultura de dendê. Mas, cada vez mais, comunidades de agricultores demonstram interesse em produzir alimentos de forma ecológica, buscando preservar ou recuperar o solo e as águas.

Como forma de ampliar a adoção de Soluções baseadas na Natureza, o Centro de Pesquisa Florestal Internacional e o Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (CIFOR-ICRAF) têm promovido, no Brasil, treinamentos, mutirões e intercâmbios com comunidades locais, com foco em Sistemas Agroflorestais (SAFs) e na restauração produtiva.

Uma das principais estratégias do programa Agricultura Regenerativa para a Conservação da Amazônia (ARCA) é a criação de uma Rede de Unidades Demonstrativas de SAFs em mosaicos territoriais que abrangem os rios Moju, Acará, Capim, Gurupi e Guamá. Iniciado em outubro de 2023, o programa promove os SAFs em zonas de amortecimento de Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Quilombolas e Assentamentos da reforma agrária no estado do Pará.

Entre dezembro de 2024 e março de 2025, foram implantadas cinco novas Unidades Demonstrativas de SAFs: quatro em Tomé-Açu e uma em Castanhal.

O que são as Unidades Demonstrativas?

As Unidades Demonstrativas são áreas modelo onde os Sistemas Agroflorestais são implementados de forma planejada, em parceria com agricultores locais. Elas funcionam como vitrines vivas para mostrar, na prática, como os SAFs podem melhorar a fertilidade do solo, diversificar a produção e gerar renda de maneira sustentável. Desde 2017, o CIFOR-ICRAF já implantou 27 dessas Unidades no Pará. Elas têm se mostrado eficazes para a capacitação de outros produtores, pois permitem a troca de conhecimentos, a observação direta dos resultados e o fortalecimento da organização comunitária.

“É a primeira vez que eu tenho uma Unidade Demonstrativa em minha propriedade e está sendo gratificante. Está sendo legal aprender um bocado de coisas, porque há 22 anos eu moro aqui na área e ainda não tinha recebido uma oportunidade como essa”, conta o agricultor Erialdo Gonçalves, morador do Projeto de Assentamento Tropicália.

   Troca de experiências.. “Um dos conceitos dos SAFs é fazer cobertura no solo. A bucha de dendê vai fornecer os nutrientes, mas principalmente o potássio, que é difícil também de conseguir de forma orgânica. Os microrganismos se desenvolvem muito bem em termos de diversidade de vida no solo. Então, é um super adubo”, comenta Jailson Takamatsu. ©Oswaldo Forte / CIFOR-ICRAF

Compartilhamento de conhecimento

A diversidade das agroflorestas faz com que cada encontro entre agricultores e agricultoras se torne uma oportunidade para compartilhar técnicas, resultados e histórias.

“O intercâmbio surgiu a partir da nossa imersão no território indígena Tembé, que foi um momento de conhecimento do território e de uma parcela da população indígena. Observamos as atividades produtivas, os modelos de produção e, principalmente, a vontade dos indígenas de produzir açaí; também identificamos alguns riscos que eles estão enfrentando. Por isso criamos esse intercâmbio, para promover essa troca de conhecimentos, esse contato com outras realidades de agricultura sustentável que já estão consolidadas na região de Tomé-Açu”, explica Claudionor Dias, cientista social do CIFOR-ICRAF no Brasil.

A diversidade das agroflorestas faz com que cada encontro entre agricultores e agricultoras se torne uma oportunidade para compartilhar técnicas, resultados e histórias"

“Além do plantio, nós já mexemos com abelhas, com peixe, mas na verdade nós ainda não pegamos uma linha, um objetivo claro para seguir. Estamos fazendo cursos e o que estamos vendo hoje, para nós, é uma aula. A nossa necessidade no Alto Rio Guamá não é fácil — 60% da terra foi desmatada. A vida não é fácil, a gente compra mais de fora do que tira da floresta. É por isso que estamos aqui [no intercâmbio], para criar uma base, uma linha de trabalho para seguir daqui pra frente”, conta o Cacique Clemente Tembé.

As manivas (Manihot esculenta Crantz) que hoje crescem no quintal do cacique vieram de Tomé-Açu, mais especificamente da propriedade de Zé Paixão, um dos primeiros parceiros do projeto na zona rural do município. O presente foi entregue aos Tembé durante o primeiro intercâmbio de saberes entre agricultores e povos indígenas promovido pelo CIFOR-ICRAF em 2024.

   Cacique Clemente Tembé. ©Oswaldo Forte / CIFOR-ICRAF

Adaptações aos contextos

Para garantir o engajamento dos agricultores, fortalecer os vínculos nos territórios e compartilhar o trabalho do plantio, os mutirões têm sido a principal aposta dos técnicos agroflorestais do CIFOR-ICRAF. Nesses eventos, os proprietários das áreas convidam familiares, vizinhos e amigos para um dia de plantio de espécies produtivas, florestais, adubadeiras, entre outras.

É nesses encontros que o conhecimento técnico e científico se encontra com o saber tradicional. Fazer um SAF dar certo exige planejamento, testes e avaliações constantes, sempre ajustando às condições locais e às expectativas do agricultor.

“Se tiver cem agricultores aqui, você pode ter certeza de que cada um está fazendo um SAF do seu jeito, adaptando de acordo com a sua realidade”, explica Zé Paixão.

Em um SAF, o equilíbrio entre as necessidades humanas e ambientais anda lado a lado, gerando um arranjo onde todos saem ganhando"

   Sistema Agroflorestal de José Paixão. ©Oswaldo Forte / CIFOR-ICRAF

Ele comenta que plantas adubadeiras como o margaridão (Tithonia diversifolia) chegam primeiro e enriquecem o solo. Enquanto isso, paricás (Schizolobium amazonicum) e mognos (Swietenia macrophylla) crescem para, futuramente, dar sombra ao dendê e ao cacau. As folhas caídas se decompõem e melhoram o ambiente. Abelhas e morcegos polinizam espécies frutíferas e o vento espalha sementes pela terra. Em um SAF, o equilíbrio entre as necessidades humanas e ambientais anda lado a lado, gerando um arranjo onde todos saem ganhando.

“Nós, que temos Unidade Demonstrativa, temos que servir de exemplo. A gente está no caminho certo, é só melhorar. Eu tenho bastante terra para recuperar — 35 hectares que eram pasto; que foram destruídos no passado e agora tenho que refazer. Onde era pasto, tem que plantar mogno, castanha, andiroba, para manter aquela umidade. Esse é o caminho.”, resume o agricultor Dedi Nascimento.

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